Técnica e tecnologia são dois aspectos da cultura que sempre
estiveram profundamente envolvidos com a música, não apenas no que diz respeito
à sua produção, mas também em relação ao desenvolvimento de sua teoria e ao
estabelecimento de seu papel cultural.
Entende-se técnica, aqui, como os processos e métodos
desenvolvidos para a realização de uma determinada tarefa. Por sua vez, tecnologia
refere-se às ferramentas, conceituais ou materiais, utilizadas nessa
realização. Com a chegada do século XX a relação entre música e tecnologia se
mostra mais intensa devido a uma série de fatores, entre eles, o aumento do
conhecimento acerca de aspectos físicos e cognitivos do som, o acesso à energia
elétrica barata e a aplicação das tecnologias eletrônica e digital na geração
sonora artificial.
Até então, os sons utilizados na música eram fruto de um mesmo
tipo de processo mecânico, onde, o instrumentista, mesmo sendo talentoso, está
sujeito às limitações e possibilidades impostas pela física desses instrumentos
ao mesmo tempo que os controla com uma técnica que, as vezes, beira os limites
da capacidade humana, impondo os movimentos e gestos de seu próprio corpo,
sobre o corpo do seu instrumento.
Por outro lado, com o advento da eletricidade e da eletrônica,
mais e mais passamos a ouvir e conviver com sons provenientes de corpos
invisíveis contidos nos circuitos de sintetizadores, samplers, gravadores
magnéticos e computadores.
Durante milênios as pessoas aprenderam a ouvir sons que guardavam
relações estreitas com os corpos que os produziam. Subitamente, toda a
experiência auditiva acumulada em um longo processo de evolução da cultura
musical é transformada pelo surgimento dos sons eletrônicos. A audição desses
sons não revela as relações mecânicas, concretas e aparentes dos instrumentos
acústicos tradicionais, já que estes são gerados através de processos
elétricos, invisíveis à nossa percepção. São sons novos e extremamente ricos,
mas ao mesmo tempo, conflituosos, já que vêm desvestidos de qualquer conexão
com corpos ou gestos.
Até o advento dos sistemas de gravação, o contato com música se
dava primordialmente através da performance. O ouvinte, mesmo que não envolvido
diretamente com a produção sonora, participava da realização musical ao
reconstruir internamente, não apenas sequências de notas produzidas pelos
instrumentos musicais ou as estruturas formais da composição, mas todo o
universo gestual que os acompanha, pois a música era fruto dos corpos que a
produzem e era impossível, para o ouvinte, ficar alheio à presença desses
corpos.
Com a música mecanizada, fica evidente o fato de que é
incomensuravelmente maior o número de pessoas que ouvem música do que o
número de pessoas que fazem música. Mais do que um dado quantitativo,
isso reflete uma transformação no espaço sociocultural: a música é produzida
primordialmente para ser ouvida e não para ser tocada.
O que prova o engano de quem achou que surgimento do gramofone, permitiria
que cada vez mais pessoas tivessem acesso a um número maior de obras e estilos
musicais, o que, esperava-se, despertaria o interesse pelo aprendizado e apreciação
musical. O que se viu depois foi que, a indústria fonográfica tenha voltou-se
primariamente ao gosto popular e comercial. Esse processo culminou, há pouco mais
de dez anos na chamada world-music, verdadeiro caldo diluidor de músicas
e culturas.
O compositor Béla Bartók (1881-1945) um entusiasta do uso dos
novos meios de gravação e reprodução, especialmente devido aos benefícios
trazidos por esses meios ao estudo da música folclórica, termina um artigo de
1937 com a súplica: "Deus proteja nossos filhos dessa praga!"
(Bartók, 1976: 298). A 'praga' a que o compositor húngaro se refere é a possibilidade
de que um dia a música mecanizada, ou seja, aquela proveniente de aparelhos como
o gramofone, viesse substituir a música realizada "ao vivo".
Preocupado com a crescente substituição das apresentações musicais em concertos
pela chamada música mecânica, o compositor adverte para o caráter
artificial:
“Além de tudo, a gravação do gramofone tem com a música que a
originou a mesma relação que tem a fruta enlatada com a fruta fresca; uma não
contém vitaminas, a outra contém. A música mecânica é uma produção industrial,
a música ao vivo é um artesanato individual” (Bartók, 1976: 298).
Já, Schloezer comparava a música trazida pelo rádio ou reproduzida
pelo fonógrafo com a introdução da comida enlatada: "O que é uma gravação?
É, sobretudo, música em conserva" (Schloezer, 1931: 7).
Gesto Musical
Embora presente de diversas maneiras no processo musical, a
questão do gesto só muito recentemente passa a receber alguma atenção dentro da
musicologia. Gesto é entendido aqui não apenas como movimento, mas como movimento
capaz de expressar algo. No que concerne à música, o gesto desempenha um papel
primordial como gerador de significação. O corpo do instrumentista e seu
instrumento atuam em simbiose na produção musical e o seu comportamento
conjunto interfere na compreensão do resultado sonoro que produzem.
Richard
Moore comenta sobre a interação entre o
corpo do instrumentista, seus gestos e o corpo do instrumento:
“Em tais instrumentos, movimentos mínimos do corpo do interprete
são traduzidos em sons de maneira a permitir que o interprete se utilize de uma
vasta gama de qualidades emotivas no som musical. É isso o que torna esses
mecanismos ótimos instrumentos musicais extremamente difíceis de serem bem
tocados, e faz com que superar essa dificuldade seja algo que vale a pena, tanto
para o músico quanto para o ouvinte. (Moore, 1987: 258).”
De certa forma, o gesto físico está ligado mais diretamente à
interpretação da música, enquanto a composição se apoia muito mais no gesto
mental:
"Se o compositor vai do gesto à composição, o intérprete faz
o caminho inverso, isto é, vai da composição, da partitura ao gesto"
(Zagonel, 1992: 17-18).
Continuando, as práticas musicais que se utilizam de tecnologias
eletrônicas têm despertado um misto de ansiedade e deslumbramento desde o
início dos anos 50. Ansiedade porque introduziram mais uma dose de novidade e
experimentação no já bastante agitado discurso musical do século XX.
Deslumbramento porque algumas pessoas enxergaram nos recursos eletro-eletrônicos
uma força libertadora que traria à música possibilidades de criação não mais
restritas às limitações dos corpos dos músicos e da fisicalidade de seus
instrumentos. É claro que esses sentimentos de ansiedade e deslumbramento não
são um privilégio da música eletrônica, pois, vêm à tona toda vez em que a
estabilidade de um certo período é confrontada com a criatividade trazida por
algum tipo de mudança substancial. Para nos determos apenas à história musical
mais recente, pode-se dizer que isso ocorreu com o surgimento do mercado
fonográfico e o desenvolvimento do rádio, com a introdução das ideias de
Schönberg, ou com a invenção de instrumentos elétricos como o Theremin e o
Ondes Martenot. Cada um desses momentos trouxe o anúncio de um rompimento, do nascimento
de uma nova forma artística e da morte de uma tradição esgotada.
Nos anos 50 e 60, os compositores envolvidos com as tecnologias
disponíveis no estúdio eletrônico disseminaram o termo música eletrônica para
delimitar o seu território de ação. A mesma função teve a partir dos anos 70 o
termo música computacional em relação à música feita com computadores.
Assim, a linguagem da música sempre foi afetada por diferentes
tipos de tecnologia: inicialmente a mecânica, depois a eletrônica e finalmente
a digital. É de se esperar que no futuro, também tecnologias bioquímicas sejam
desenvolvidas e utilizadas de alguma maneira na produção musical.
As tecnologias eletrônicas têm seduzido cada vez mais
compositores, as universidades estão incorporando o assunto em seus currículos
e têm se multiplicado os estúdios e centros de pesquisa dedicados à produção
eletroacústica. Sem dúvida, as novas tecnologias são sedutoras, e por isso
também oferecem os seus perigos. Arlindo Machado alerta para a relação
fetichista que existe hoje entre o homem e a tecnologia: "À medida que [as
máquinas] se tornam mais "amigáveis", o seu efeito tende a se tornar
sedutor, talvez mesmo lisérgico, sobretudo a um público desprovido de
inquietações intelectuais e de um lastro cultural mais amplo" (Machado,
1993: 13).
Enfim, nos dias atuais, com tanta tecnologia, muito se perdeu da
qualidade musical dos indivíduos como musicistas, pouco se estuda para cantar
ou tocar, recorre-se muito à tecnologia. Difícil encontrar músicos que exprimem
emoção, essência musical! Tudo é pré pronto! Dá menos trabalho produzir,
praticamente, qualquer um pode fazer, gravar...
Sou antiquado... Gosto de fazer música... De tocar música... De
interagir com músicos, com pessoas... Gosto de música pra sentir, não apenas pra
ouvir... Música de dentro pra fora...
Baseado em estudo
de F. Iazzetta